Acordei enrolada em uma colcha de retalhos de mentiras e desapontamentos. Acordei de toda aquela ilusão que me aconchegava maternalmente tentando me desviar dos medos e das frustrações que se por acaso eu topasse com a verdade sentiria. Abri os olhos e me libertei daquela coberta suja e doentia que cobria meu corpo por inteiro quase me fazendo sufocar. Eu não sentia mais minha pernas, quase não mais andava sozinha. Queimei aquela coberta encardida de palavras proferidas pela sua boca ainda mais desprezível e doente. Quebrei a redoma de vidro craquelado que você insistia em construir ao meu redor. Arranquei o antolho que você colocou sobre meus olhos para que eu fosse, sem direito a escolha, obrigada a olhar só para você. Deixei agora no passado o que tanto almejei como presente. Presente esse que mal consegui abrir, um presente que se escondia tão bem sob o embrulho que quase tive a certeza de que nunca cheguei a conhecer. Presente que se tornou passado por ter tanta gana no futuro.
Sozinha nesse quarto escuro penso em milhares de maneiras de expressar toda a indignação existente dentro do meu peito e todas as palavras que estão aqui engasgadas e que foram engolidas com sensação de navalha. Sinto dentro de mim uma vontade gigantesca e quase incontrolável de me jogar no mundo, de viver meus antigos planos, reviver meus esquecidos sonhos. De esquecer tudo que aconteceu nesse nosso tempo. Mas como esquecer o que fantasiava o inesquecível? Fantasia surreal que beirava a idealização de um romance quase perfeito. Quebrado e partido com as palavras mais ásperas e traiçoeiras que meus ouvidos podiam escutar. Tenho nos olhos lágrimas de uma tristeza profunda, uma tristeza que vem de dentro pra fora. Como se tudo que eu mais acreditasse no mundo fosse desmascarado e exposto sem censura. Como se você se desmontasse na minha frente a cada palavra pronunciada, como se a cada frase um pouco do eu que conhecia você fosse embora sem olhar para trás. Como se eu tivesse segurando na mão um punhado de areia que escorregava lentamente entre os dedos até que não sobrasse se quer mais um grão.
O que sobrou de nós agora esta guardado num baú de madeira maciça com fechaduras de cobre. O que restou de nós não existe mais. És agora para mim uma memória, real ou não de um quase amor. Um amor rotulado precipitadamente, talvez sem culpa, talvez totalmente culpado. Palavras ditas da boca pra fora por um menino que calculava o que diz. Mas, de fato, quem sabe? Acredito que nem ao menos cheguei a conhecer você, e piamente acredito que nem você consiga se compreender.
Boa sorte pra mim,
boa sorte pra você.
boa sorte pra você.